Documentário da Netflix pode ser visto como um alerta cibernético sobre os riscos de ataques hackers – ou como um inusitado compilado de lições de marketing “A vida é curta. Tenha um caso”. Hedônico e aberto, o slogan da AM defendia que mesmo os integrantes de casais felizes poderiam se permitir uma aventura No ar desde meados de abril na Netflix, o documentário sobre a ascensão e a queda do site norte-americano de infidelidade conjugal Ashley Madison pode ser visto como um alerta cibernético sobre os riscos de ataques hackers – ou como um inusitado compilado de lições de marketing. Como são essas que nos interessam, acompanhe: Lição #1: seu concorrente não é quem você pensa. Site e aplicativo voltado a promover encontros extraconjugais apenas entre pessoas casadas, o Ashley Madison (AM) poderia perfeitamente enxergar Tinder, Grindr e que tais como concorrentes. Mas foi rápido a perceber que seus competidores eram bem menos evidentes. O primeiro? O escritório. Existe lugar mais perfeito para engatar um romance clandestino do que o ambiente corporativo, onde as pessoas conviverão por oito horas diárias? Segundo: a Bíblia. Um assunto tabu como a infidelidade num país puritano como os Estados Unidos tinha nas sagradas escrituras um óbvio oponente. Eu ainda acrescentaria um terceiro player: o divórcio. Às vezes é mais difícil romper um relacionamento do que encontrar um par, como dizia o psicanalista Contardo Calligaris (1948-2021). Então, matrimônios meio mornos e arrastados podem ser tudo o que um site como o AM precisa; convivências infernais e que caminham para o rompimento, não. Lição #2: seu slogan diz muito sobre você. O AM teve dois bordões, e cada um realçava um posicionamento. O primeiro soa especialmente bem em inglês: “When monogamy becomes monotony” (“quando a monogamia se torna monotonia”). Aproveitava-se da semelhança de sonoridade entre duas palavras-chave para indicar a quem se destinava. O segundo enfatizava a recompensa, e não o problema: “A vida é curta. Tenha um caso”. Mais hedônico e aberto, mostrava que mesmo os integrantes de casais felizes poderiam se permitir uma aventura. Lição #3: se não pode fazer propaganda, faça relações públicas. As mídias tradicional e alternativa, como os canais OOH, recusaram os anúncios do site. O que fazer? Transformá-lo em pauta jornalística dessas mesmas mídias. O CEO do AM foi entrevistado em diversos talk shows e noticiários dos Estados Unidos, dispondo de espaço privilegiado para publicidade totalmente gratuita. Lição #4: regras offline valem online. Bares isentam mulheres de consumação. O AM cadastrava-as sem custo, enquanto cobrava dos homens, maioria absoluta de interessados no serviço. Lição #5: às vezes, o diferencial não está no preço, e sim na forma de cobrança. O AM não cobrava assinaturas dos homens, e sim um fee por interação. Ou seja, a aderência tendia a crescer à medida que o site se mostrava mais útil. Foi isso, aliás, que deu margem a uma fraude: a criação de perfis femininos falsos encarregados de trocar palavras com os assinantes e, assim, aumentar artificialmente suas faturas. Excluída essa malandragem, o modelo de receita era digno de aplauso. Agora você já pode assistir ao documentário com olhos de marketeiro (a). Ou mesmo dar uma olhada estritamente profissional no site da AM – que, aliás, tem uma versão brasileira.
Desce mais uma rodada
Um robô-garçom entenderia uma frase como essa? O robô-garçom da hamburgueria já foi apelidado de Beto “Ô ‘seu’ garçom, faça o favor/De me trazer depressa…” Se Noel Rosa (1910-1937) frequentasse certa hamburgueria de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, poderia perfeitamente fazer todos os pedidos a um atendente de carne e osso, como em sua famosa “Conversa de Botequim”, mas quem se encarregaria de levá-los à mesa – café fresco, pão bem quente com manteiga à beça, guardanapos e água gelada – seria um robô. Sim, um carrinho eletrônico que, devidamente programado, conduz as bandejas de lanches da cozinha aos comensais. O uso de robôs em substituição a humanos para atendimento ainda é uma novidade. Anos atrás, um hotel em Tóquio apostou em uma brigada totalmente constituída por eles e não deu certo, devido a falhas de serviço e problemas de manutenção. Mas o princípio que norteou a tentativa continua válido: carência de mão de obra somada a serviços padronizados e interações previsíveis permitem a troca de homens por máquinas. Não sem consequências, claro. A mais evidente: a eventual resistência da clientela. Interagir com um robô humanoide em um balcão pode soar estranho e constrangedor, mesmo para povos super acostumados com a automação, como os japoneses. Uma colunista espanhola foi taxativa: “não quero robôs, quero garçons com direito a errar“. Este pode ser um estranhamento geracional, contudo. Acostumados a pedir comida por aplicativo, sem diálogos telefônicos, os jovens de hoje talvez preferissem terminais de autoatendimento a recepcionistas ou garçons. Principalmente se houver um esforço de humanização dos equipamentos por parte de fabricantes, pois, de parte dos usuários, certamente haverá. O garçom da hamburgueria, por exemplo, já foi apelidado de Beto – e nem feições humanas tem. Em fábricas e centros de distribuição americanos, eles também recebem nomes e são alvos de perguntas e agradecimentos dos funcionários, embora não estejam programados para responder. Nada surpreendente para quem viu Tom Hanks desenhar boca e olhos numa bola de vôlei em “O Náufrago” (2000) ou já presenciou conversas de usuários com a Alexa, a assistente digital da Amazon: a antropomorfização é inevitável. Quão inevitável? Bem, ainda não sabemos. Boêmio inveterado, Cazuza (1958-1990) costumava dizer que tinha amigos de todos os tipos, mas, sobretudo, “muito amigo garçom”. Reginaldo Rossi dedicou à categoria uma famosa canção-desabafo e Samuel Rosa, do Skank, listou todos os apelidos pelos quais o profissional poderia ser invocado na hora da “saideira”. Será que um robô estaria pronto para responder ao chamado de “chefia”, “amigão”, “tio”, “brother” ou “camarada”?
O propósito do propósito
E precisa ter um? “Uma empresa que acredita que precisa definir o propósito da maionese Hellmann’s (…) claramente perdeu o rumo” (Valor Econômico, 12/11/2023) Alvíssaras! Depois de anos ouvindo a galera descolada falar em propósito no mundo dos negócios, começam a aparecer casos, aqui e ali, de gente defendendo abertamente que nem todo empreendimento ou marca precisa obrigatoriamente dele para nascer e sobreviver. Primeiro foi a Unilever. Em outubro do ano passado, a companhia reconheceu que, para algumas de suas dezenas de produtos, não faz sentido investir na formulação de um propósito. “Não forçaremos isso em todo o portfólio; para algumas marcas, simplesmente não será relevante, e isso está bem”, disse o CEO mundial, para concordância de um grande investidor britânico: “uma empresa que acredita que precisa definir o propósito da maionese Hellmann’s (…) claramente perdeu o rumo” (Valor Econômico, 12/11/2023). Depois, um casal de empresários brasileiros foi bem sincero: “sem florear, nossa conclusão foi que nosso propósito de vida era ser rico. Queremos ganhar dinheiro, pois assim a gente pode realizar outros sonhos” . Considerando que comandam um site que vende pequenos acessórios importados da China, por que ocultar a atração humana por traquitanas baratas com um palavrório bonito? Melhor assim. Como lembrou a colunista inglesa Pilita Clark (Valor, 21/09/2020), a declaração de propósito de hoje é a antiga definição de missão das empresas – que, segundo dois estudos (este e este), não costuma ter grande influência sobre a cultura organizacional e as práticas cotidianas, a ponto de “não valer o papel em que foram impressas”, nas palavras de um dos autores. Sinal de que devemos esquecer todos os statements pintados nas paredes corporativas ou gravados em bronze nos escritórios espalhados pelo mundo? Não necessariamente. Minha opinião é que empresas B, aquelas que já nascem no intuito de conciliar negócios com objetivos socioambientais, podem perfeitamente definir seu propósito para além do business as usual. Devem fazê-lo, aliás, para jamais ceder à tentação de visar unicamente ao lucro ou simplesmente esquecer a razão pela qual foram criadas. Companhias convencionais, no entanto, não precisam ir tão longe. Por quê? Bem, uma declaração de missão (ou de propósito) existe para explicar por que a organização existe – satisfazer uma necessidade, oferecer um benefício -, e esse motivo pode mudar ao longo do tempo (ou até muito cedo em sua trajetória). Os exemplos de empresas pivotantes não são poucos e estão aí para mostrar que Peter Drucker tinha razão: quem define o propósito é o cliente. Mas e o caso da Dove, que pretende “criar um mundo onde a beleza seja uma fonte de confiança e não de ansiedade”? A meu ver, a frase reflete mais um conceito criativo do que um propósito. No mais, é até melhor não se deixar levar pela sedução de cobrir de lantejoulas verbais aquilo que está imerso na banalidade, a fim de evitar uma piada involuntária. O tal investidor inglês que falou da Hellmann’s não perdoou a missão de outra marca do portfólio da Unilever, a do sabonete Lux (“inspirar as mulheres a superar os julgamentos sexistas”): “quando eu chequei pela última vez, (sabonete) era para lavar as mãos”.
Anatel ampliará uso do 0303 para reduzir telefonemas indesejáveis
Regras entram em vigor no dia 5 de janeiro de 2025 As empresas que realizam mais de 10 mil chamadas diárias deverão adotar o prefixo 0303 Para reduzir o grande volume de chamadas de telemarketing indesejadas, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informou que vai ampliar o uso do prefixo 0303 – antes específico para televendas – para todas as empresas que realizam um grande volume de chamadas telefônicas. As novas regras começam a valer a partir de 5 de janeiro de 2025. Depois dessa data, as empresas ou organizações que realizam mais de 10 mil chamadas diárias – independentemente do motivo – deverão adotar o prefixo. Segundo a Anatel, a medida tem por meta equilibrar as regras aplicadas entre diferentes setores, facilitando a fiscalização da agência e melhorando a experiência do consumidor. As empresas que não se adequarem às novas regras terão suas chamadas bloqueadas. Caberá às prestadoras de telecomunicações monitorar e identificar os responsáveis por um volume intenso de chamadas. A verificação de quais entidades se enquadram nessa exigência será feita mensalmente e caberá à Anatel a supervisão do procedimento. Um estudo realizado pela agência identificou que o volume intenso de chamadas é gerado por poucas empresas que usam as redes de telecomunicações de maneira desordenada e se aproveitam do anonimato para insistir com chamadas indesejadas para os consumidores. “Como nem todas as chamadas telefônicas feitas pelas empresas são destinadas ao consumidor, a Anatel permitirá que até 10% das chamadas realizadas por empresas que adotarem 0303 sejam efetivadas por numeração convencional. Isso se aplica às chamadas não direcionadas ao consumidor, como chamadas entre filiais ou com fornecedores, nas quais o uso da numeração 0303 não é considerado o mais adequado.”, informou a agência. Origem verificada Para as empresas que não quiserem aderir ao 0303, a Anatel oferece a possibilidade de utilização da chamada de origem verificada. Por meio desse tipo de chamada é possível ao consumidor saber pela tela do seu telefone, além do número, os dados de identificação da empresa que fez a chamada. “Essa nova funcionalidade já está em testes com adesão progressiva de empresas e fabricantes de terminais celulares. Com a Origem Verificada, o consumidor fica bem informado sobre a qualificação e o responsável pela chamada para decidir sobre o atendimento”, informa a Anatel. Desde junho de 2022, a agência vem adotando medidas cautelares para diminuir o número desse tipo de ligações. Dentre elas, figuram o bloqueio de usuários e a autorização às operadoras de telecomunicação para que efetuem a cobrança de chamadas curtas de até três segundos efetuadas por essas empresas, o que não era permitido. As medidas geraram uma redução no imenso volume de chamadas indesejadas. Além disso, a Anatel disponibilizou um portal na internet, batizado de Qual Empresa me Ligou, onde é possível consultar – por meio do número originador da chamada recebida – qual é a empresa que está ligando para seu telefone fixo ou móvel. Com ABR
Entre por essa porta agora…
…você tem meia hora pra comer sua comida Em voga nos Estados Unidos, na Europa e recém-chegada a São Paulo, a fixação de um tempo máximo de permanência nos restaurantes não passou despercebida por críticos de gastronomia A frequência com que falo de restaurantes no blog pode fazer parecer que eu seja um foodie ou um assíduo frequentador desses locais. Não é bem assim. É que o tema volta e meia aparece na mídia e geralmente traz bons insights para pensar questões relacionadas a marketing, atendimento e experiência de consumo. E a mais recente novidade do setor não é nem um pouco simpática a esta última. Em voga nos Estados Unidos, na Europa e recém-chegada a São Paulo, a fixação de um tempo máximo de permanência nos restaurantes não passou despercebida por críticos de gastronomia daqui e de lá – e, naturalmente, foi desaprovada. Sob a justificativa de aumentar o giro de clientes, certos estabelecimentos têm definido, no momento da reserva, um limite para a ocupação de mesas (de 90 a 120 minutos, por exemplo), e instruído garçons a apressar pedidos ou apresentar a conta para comensais que já encerraram os trabalhos e restam apenas conversando e bebericando o que sobrou nos copos. Uma completa negação do que se entende como a experiência num restaurante; se é para comer correndo, refeitórios e lanchonetes são mais apropriados e baratos. Mas vale entender o lado dos proprietários, também. Ter casa cheia no negócio da gastronomia não significa, necessariamente, faturar bem. Como não existe consumação mínima, é perfeitamente possível ver 100% de lotação traduzidos em vendas modestas. A convivialidade típica desses locais pode tanto estimular o consumo – “desce mais uma rodada!” – quanto transformá-los em meros pontos de encontro convenientes. À medida que os custos sobem e o poder de compra míngua, a pressão por produtividade, tão comum em fast foods, torna-se uma necessidade para enfrentar a tormenta. E como saber quando adotá-la? Segundo este artigo, em alguma(s) das seguintes situações: 1. quando a satisfação do cliente for menos importante do que a eficiência; 2. quando houver pouca concorrência; e/ou 3. quando as margens forem apertadas. A medida polêmica dos restauranteurs parece claramente amparada na hipótese 3. À diferença das possibilidades oferecidas pelos autores para lidar com a imposição por produtividade – autosserviço, número limitado de opções e padronização -, os restaurantes optaram por uma quarta, mais afeita à indústria da hospitalidade: tempo de permanência. Sacrificaram uma das dimensões da experiência do negócio a fim de manter as demais intocadas, provavelmente. E ofereceram um novo significado à expressão “mcdonaldização do mundo“.
Violetas no divã
Acredite: este é (mais) um post sobre nome de marcas Nomes de marcas também passam por fases Se você se chama Matheus ou Violeta, parabéns. Seu nome é o mais bonito do mundo, segundo um estudo divulgado esses tempos (veja aqui e também aqui). Mais interessante do que entender os critérios que levaram às escolhas, é notar que nomes próprios, assim como tantas outras coisas, passam por modismos. No meu tempo de colégio e faculdade, não existiam Valentinas, Sofias, Enzos e Lourenços, com os quais fui topar quando professor, já passado dos 30 anos. Nem Yasmins, Martinas ou Conrados, que também andaram em voga. Em compensação, tive vários colegas de UFRGS com o mesmo nome que eu, num sinal de que André, no fim dos anos 1970, era razoavelmente popular. Inevitável não levar o tema para a seara do marketing. Nomes de marcas também passam por fases. No início dos anos 2000, recorreu-se muito ao latim para batizar negócios e produtos: Novartis, Aventis, Meritor e Metris, por exemplo. A vantagem alegada era a boa sonoridade em vários idiomas. Pouco depois, remédios começaram a se valer das consoantes X, Z e K, pois supostamente evocavam inovação: Efexor, Leponex, Visken. E mais recentemente, cidades brasileiras foram inundadas por estabelecimentos com os sufixos eria: paleterias, brigaderias, esmalterias, hamburguerias, temakerias etceteria. A repetição pode ter enfastiado o consumidor, soterrado com tanta eria. Mas toda época tem os seus queridinhos: “Rei” disso ou daquilo, “Cia.” de alguma coisa, “Confraria” do não sei o quê… Uma falta de criatividade que não faz jus ao brasileiro, mestre na arte do naming – ao menos de pessoas. O psicanalista trotamundo Contardo Calligaris (1948-2021) se espantava com a variedade de nomes próprios que encontrava por aqui, surgidos de combinações onomásticas improváveis, homenagens a ídolos do esporte e das artes ou da mais pura inventividade. Quem não lembra do jogador de futebol Odvan, batizado em homenagem à música “O divã”, de Roberto Carlos? Segundo Calligaris, a ênfase em nomes incomuns escondia uma tentativa de singularização do indivíduo, visto que o sobrenome, herdado e imutável, poderia não dizer muito em um país de imigrantes. Nos negócios brasucas é justamente o contrário. É a evocação de sobrenomes famosos, às vezes estrangeiros, as que mais rendem boas denominações. Méquidonis, Épou e Churrasic Park que o digam.
O legado de Washington Olivetto
O país perdeu o mais midiático publicitário brasileiro Olivetto foi o espelho de uma geração que colocou os cursos de propaganda entre os mais disputados nos vestibulares brasileiros O livro “Direto de Washington” reúne as memórias profissionais de Washington Olivetto, o principal publicitário brasileiro do século 20, falecido no domingo (13). No livro, Olivetto jacta-se de ter criado o “garoto Bombril”, a campanha do “primeiro sutiã” e mais alguns clássicos da propaganda brasileira. Mas a maior criação de Olivetto foi outra. Washington foi precedido por Alex Periscinoto, Roberto Duailibi e um punhado de talentos que profissionalizaram a publicidade brasileira. Não ingressou, portanto, em um território inóspito, e sim em um campo já aplainado. Porém, foi ele o principal responsável pelo segundo salto da profissão no país: a sua popularização. Olivetto é, até hoje, o mais midiático publicitário brasileiro. Por ter despontado muito cedo na profissão, ganhado grandes prêmios com parcos 20 anos de idade e tornado-se dono da própria agência aos 34, experimentou uma notoriedade incomum para a atividade, antes restrita aos bastidores. E fez bom uso dessa exposição. Encarnou o papel do sujeito de terno, gravata e tênis rosa choque que cria genialidades para o sisudo setor empresarial, ajudando-o a vender, e que colhe os louros do trabalho sob a forma de dinheiro e prestígio. Um sujeito que atua na fronteira entre as artes e o business, tirando o que de melhor ambos têm a oferecer. Pavimentou, com isso, o caminho para que a publicidade se tornasse a profissão dos sonhos de muitos jovens de classe média, especialmente entre aqueles dispostos, sim, a cumprir o script de cursar uma faculdade, mas receosos de cair no marasmo das atividades tradicionais, como direito, administração e engenharia. Olivetto foi o espelho de uma geração que colocou os cursos de propaganda entre os mais disputados nos vestibulares brasileiros. Sua influência e notoriedade atravessaram o tempo e acompanharam a evolução da atividade. Entre meus alunos do curso de publicidade, na faixa dos 20 anos, nem todos terão ouvido falar de Nizan Guanaes, por exemplo, e poucos saberão quem são ou foram Marcio Moreira, Roberto Duailibi, Julio Ribeiro, Marcello Serpa, Agnelo Pacheco e Guga Ketzer. Mas todos sabem quem é Washington Olivetto. Coincidentemente, sua saída de cena e o lançamento de sua autobiografia ocorrem no momento em que o setor publicitário, representado pelas agências, vem mudando – e, com isso, exigindo uma mudança também de seus profissionais. A cobrança por resultados mensuráveis, graças ao acirramento da concorrência, ao aperto nos orçamentos dos anunciantes e à possibilidade de aferição de performance que a internet oferece, transformou as agências em ambientes bem menos festivos e glamourosos que no passado, e mais parecidos com os de insossas (ou tóxicas) atividades que existem por aí. O enorme contingente de publicitários formados no país ajudou a aumentar e a baratear a mão de obra, e o funil tornou-se mais e mais estreito para alcançar o sucesso. E o próprio poder da publicidade em gerar recall e vendas, em um mundo de audiência tão fragmentada e mensagens comerciais abundantes, passou a ser questionado. Em resumo, a atividade, como tantas outras, sofre de uma comoditização, e seus profissionais, de proletarização. Olivetto sabe disso. Tanto que, em entrevistas à época do lançamento do livro, reconheceu ter pego “uma época boa” da propaganda. À Veja (11/04/18, p.103), foi mais explícito: “As agências deixaram de cobrar como antes, e isso altera o processo: quando o negócio dá menos dinheiro, fica menos criativo e alegre”. Alguém já disse que, na era do big data, os “mad men” darão lugar aos “math men”. Talvez o próximo Olivetto não use gravatas engraçadas nem combine ternos com tênis rosa choque, e sim óculos de lentes grossas e cabelos divididos ao meio e emplastados de gel, tal e qual o estereótipo de um nerd de filme americano.
Sinceros como não se pode ser
Salvador Allende, Tallis Gomes e os CEOs influenciadores Pessoas públicas podem se dar a muitos luxos, mas entre eles não está o da sinceridade absoluta Quando foi candidato à presidência do Chile pela primeira vez, em 1964, o socialista Salvador Allende (1908-1973) encomendou aos seus assessores um speech para o evento de oficialização de sua chapa. Ao subir no palco, sob aplausos e gritos eufóricos de correligionários, não conteve a emoção e bradou: “Tenho aqui um discurso que meus colaboradores prepararam. (Mas) não posso nem quero ler um discurso escrito. Quero lhes falar direto do meu coração…”. Ato contínuo, jogou as páginas para cima e, para delírio da multidão, iniciou um pronunciamento idêntico àquele que constava nos papéis. A anedota chilena seria apenas uma boa história se não contivesse também uma lição: pessoas públicas podem se dar a muitos luxos, mas entre eles não está o da sinceridade absoluta. E o caso Tallis Gomes vem a comprová-lo. Para quem não lembra, o então CEO da G4 Educação foi alvo de cancelamento, no fim do mês passado, ao se dizer contrário a ter uma esposa no cargo máximo de uma empresa. A repercussão da declaração, numa postagem de Instagram, obrigou-o a renunciar ao comando da companhia que fundou – ironicamente, em favor de uma mulher. E por mais que a mensagem tratasse exclusivamente da vida pessoal do autor – ele não dizia se negar a empregar mulheres em posições elevadas, apenas não queria ser casado com uma delas –, o rótulo de machista já lhe estava pespegado. Numa era em que CEOs se jactam de atuar como influenciadores, a pretexto de promoverem suas empresas e valores positivos, a tentação de transpor tudo o que vem à mente para redes sociais é grande – até porque a tal “autenticidade” é um dos atributos que tornam esses personagens atraentes. O problema é que “ser totalmente transparente – revelando cada pensamento e sentimento – não é apenas irrealista, mas também arriscado“. A afirmação, pensada para a vidinha corporativa do dia a dia, aquela entre colegas, subordinados e superiores, ganha ares de advertência séria para quem, além do trabalho cotidiano, tem pretensões que ultrapassam os muros das empresas, mas não deixam de estar atrelados a elas – afinal, só se tornaram influenciadores porque ocupam posições de prestígio, e não o contrário. Convém que os departamentos de comunicação preparem um manualzinho para uso de redes sociais e manifestações públicas, o qual preveja que, a exemplo de qualquer media training para candidato ou ocupante de cargo público, deve-se falar ou escrever o que a plateia quer ler e ouvir – e se for ao estilo Allende, do fundo do coração, melhor ainda.
Washington, d.C.
A persona pública de Olivetto construiu a ideia de publicidade no Brasil A capacidade de Olivetto produzir boas frases permaneceu intacta nos últimos anos, mesmo afastado do dia a dia das agências e residindo fora do Brasil, em Londres Por ocasião da morte de Washington Olivetto, no último dia 13, AMANHÃ republicou um post de seis anos atrás em que eu o definia como o criador da profissão de publicitário no Brasil. Não por pioneirismo na atividade, evidentemente, mas por tê-la conferido visibilidade e legitimidade social. Muito dessa mudança de status devia-se ao seu trabalho – as peças e anúncios que ficavam no imaginário popular –, mas também a sua figura pública, sempre médiatique e pronta a rechear uma entrevista com tiradas espertas – o que contribuiu para que a propaganda fosse vista por alguns apenas como insight criativo, e não o todo trabalhoso que constitui: planejamento, produção, mídia etc. A capacidade de Olivetto produzir boas frases permaneceu intacta nos últimos anos, mesmo afastado do dia a dia das agências e residindo fora do Brasil, em Londres. Aliás, por que a capital inglesa? “Porque Londres é a melhor Nova York que existe. Tem tudo o que Nova York tem, mas sem tanto movimento e confusão”. Mas e o futebol, seu interesse desde sempre, como ficou? Via jogos da Premiere League? “Sim, aqui eu assisto, não torço. No Brasil, em jogos do Corinthians, eu torço, não assisto”. Lições aos novatos? “Eu me dei bem como publicitário pois me abasteci de vida, e não de publicidade. Capturo as coisas da vida para transformá-las em comunicação”. E gerir uma agência, como é? “Nesse negócio, administrar o astral é tão importante quanto administrar o caixa” – razão pela qual distribuía sorvete às equipes quando via uma nuvenzinha negra sobrevoando as baias da W/Brasil. Seu sucesso devia-se à inspiração mais do que a transpiração? De jeito nenhum. “Quando eu era funcionário, tinha mentalidade de dono. E hoje que sou dono, tenho mentalidade de funcionário. Sou o primeiro a chegar e o último a sair do escritório”. E as campanhas políticas e contas públicas, que tal? “É um dinheiro que me orgulho de não ganhar”. Dinheiro: eis o outro pilar que ajudou a erigir o prestígio da profissão. Olivetto não foi propriamente um ostentador, um exibicionista. Mas também não se furtou em alimentar o lado frívolo da mídia ao revelar seu apreço por obras de arte, mostrar o CD player da então obscura dinamarquesa Bang & Olufsen que comprara, enaltecer a Comme des Garçons (que até hoje poucos conhecem por aqui) e citar os restaurantes que apreciava nas grandes capitais do mundo. Indicava, com isso, aos jovens às voltas com a escolha profissional, ser viável a combinação perfeita: uma carreira menos tradicional com benefícios materiais tão bons ou melhores que os das atividades caretas. Com a emergência das redes sociais, poderia ter se tornado um tuiteiro popular, um lacrador semanal, pois tirocínio não lhe faltaria. Mas percebera que a internet atual era menos generosa com a inteligência e bem mais afeita à demagogia e à superficialidade. Sua malfadada entrevista à BBC News Brasil, em 2017, em que diz que “empoderamento feminino é um clichê constrangedor” como outros tantos que mencionava ao longo da conversa (“desconstruir”, “quebrar paradigmas” e “pensar fora da caixa”), foi um dos maus sinais dos novos tempos: o título caça-clique fez sumir o conteúdo no qual Olivetto reclamava da pobreza vocabular e da escassez de boas ideias que vicejava nos meios de comunicação, em prol de uma controvérsia vazia e de uma condenação pública sumária. Ainda assim, antes mesmo daquele episódio, já havia deixado uma lição sobre as polêmicas online: “É só ficar quieto que nada vai acontecer. Logo em seguida, aparece outro assunto irrelevante para ocupar o seu lugar”. Pode não ter sido sua sacada mais brilhante, mas certamente é das mais verdadeiras.
O galeto conquista todo o Brasil
Jandir Dalberto, empresário e sócio do Di Paolo, relata neste artigo exclusivo o desafio de expandir e escalar marcas enquanto se mantém a qualidade e agrega valor A alimentação é uma das experiências humanas mais completas que existe. Comer alguma coisa não é apenas mastigar e engolir. Tudo aquilo que ingerimos traz consigo escolhas pessoais, processos culturais, histórias, tradições e relações sociais, às vezes de origens que nem imaginamos. Por isso a gastronomia é uma atividade tão fascinante e enriquecedora — e, ao mesmo tempo, desafiadora. Praticamente minha vida inteira foi construída dessa forma. Comecei servindo e, hoje, lidero a expansão de uma das redes mais tradicionais da região Sul pelo centro do Brasil. E essa jornada passou por várias dessas culturas que moldam a gastronomia e a forma como nos relacionamos com ela. Nos anos 1980, eu ainda não pensava tanto nisso. Trabalhava na madeireira do meu pai, no interior do Paraná, até que, aos 21 anos, decidi encarar o mundo e buscar minha realização pessoal. Cheguei em São Paulo e recebi a oportunidade de ser garçom no Fogo de Chão. O lugar já era essa mostra viva da cultura da gastronomia: pegou a tradição do churrasco gaúcho e a espalhou pelo país e pelo mundo. Estava em plena expansão naquele momento. E eu abracei aquela oportunidade para me dedicar, aprender e crescer junto com a rede. Em um ano e meio de trabalho, tornei-me gerente de loja. Depois, virei gerente regional de seis unidades. Após dez anos, eu já tinha dez restaurantes sob minha responsabilidade, como diretor de operações no Brasil. Um crescimento enorme em apenas uma década. Mas não parou por aí. Em 2009, fui promovido a presidente de operações, onde fiquei até 2016. Fiz parte da internacionalização da rede pelos Estados Unidos, onde chegamos a listá-la na Nasdaq. Um passo gigante para aquele jovem que começou como garçom lá em 1987. Mas a vida dá asas para a gente voar. Que nem um passarinho, que um dia resolve se aventurar e bater suas asas em outros céus e campos — ou então voltar para o ninho. Foi o que fiz em 2016. Depois de tanto tempo viajando, trabalhando, longe da família, decidi que queria ficar mais perto dos meus e experimentar outros horizontes. Fiz uma tentativa pela construção civil, mas aquilo não preenchia minha inquietude. As quase três décadas de gastronomia mostraram o que fazia sentido para mim. O problema era: como retomar? Ao sair, havia assinado um compromisso de não empreender por cinco anos com carne vermelha. E foi num desses voos que surgiu a resposta. A colonização italiana foi muito forte no Centro-Sul do Brasil e moldou várias das nossas culturas e tradições — incluindo a gastronomia. No entanto, ela teve impactos diferentes em cada região. E apesar de tão presente em São Paulo, o que se servia à mesa aqui não era o mesmo do Rio Grande do Sul. Na Serra Gaúcha, por exemplo, os colonos italianos trouxeram consigo a tradição das passarinhadas: eram grandes banquetes que tinham como prato principal os pássaros de médio e grande porte capturados nas matas. As festas celebravam a fartura da colheita e os frutos do trabalho. O desenvolvimento da criação de animais foi mudando essa tradição — e os pássaros foram sendo substituídos por pequenos frangos que passaram a receber o “apelido complementar” de al primo canto (ao primeiro canto). A ave, que era um pequeno galo, passou a ser chamada de galeto. Nascia, aí, o galeto al primo canto. Uma tradição típica dos imigrantes italianos da Serra Gaúcha, que ganhou notoriedade a ponto de render negócios especializados: as galeterias, que têm o galeto como carro-chefe, servidos com outras delícias da culinária da Itália, e que logo se espalharam pelo Rio Grande do Sul. Em São Paulo, alguns estabelecimentos chegaram a oferecer essa iguaria em diferentes momentos. No entanto, a relação dos paulistas com o frango sempre foi da ave assada inteira — uma das redes de alimentação mais tradicionais do estado chama-se, literalmente, Frango Assado. E os próprios imigrantes cultivaram outros hábitos na região, como as massas e a pizza – algumas das melhores pizzarias do mundo, inclusive, ficam na metrópole paulista. Embora já conhecesse o galeto, o conceito do galeto al primo canto e a sequência típica da culinária de imigração italiana só me foram apresentados em uma viagem a Porto Alegre. Naquela ocasião, visitei o Di Paolo do Boulevard Laçador, onde almocei e imediatamente me encantei por aqueles pratos. A história do Di Paolo e do Paulo Geremia, seu fundador e líder, também me eram familiares, embora nunca tivéssemos uma proximidade. O que não imaginava era a quantidade de similaridades que encontraria: ambos crescemos e aprendemos tudo o que sabíamos num restaurante. Ambos começamos como garçons e nos tornamos empreendedores no setor gastronômico. Ambos eram e são apaixonados pelo que fazíamos – e fazemos. E com desejo de ir além. Aproximamo-nos e logo estabelecemos uma sintonia que, depois, se tornaria sociedade. Propus ao Paulo a expansão do Di Paolo em São Paulo — o que era seu desejo também, mas faltava alguém para liderar esse trabalho. Em pouco tempo, o acordo estava selado e começava um novo capítulo na minha jornada — e que se tornou um dos maiores e mais incríveis desafios. Nosso propósito não era apenas vender galeto na maior metrópole da América Latina. Era oferecer um conceito por completo. Uma experiência que aproximasse o público do que era desfrutar da culinária típica dos imigrantes italianos da Serra Gaúcha, com a mesma artesanalidade e qualidade que os colonos colocavam em cada prato de comida no princípio do século 20. Um prato que foi aprimorado pelo Di Paolo, seguindo a receita original da família Peccini, que criou a primeira galeteria do país, em Caxias do Sul, mas com novos temperos e modos de preparo. Isso levou a uma receita única, que se complementa com toda a sequência de maneira singular. Nossa primeira loja, em São Paulo, foi na Avenida dos Bandeirantes,