O propósito do propósito

E precisa ter um? 

“Uma empresa que acredita que precisa definir o propósito da maionese Hellmann’s (…) claramente perdeu o rumo” (Valor Econômico, 12/11/2023)

Alvíssaras! Depois de anos ouvindo a galera descolada falar em propósito no mundo dos negócios, começam a aparecer casos, aqui e ali, de gente defendendo abertamente que nem todo empreendimento ou marca precisa obrigatoriamente dele para nascer e sobreviver.

Primeiro foi a Unilever. Em outubro do ano passado, a companhia reconheceu que, para algumas de suas dezenas de produtos, não faz sentido investir na formulação de um propósito. “Não forçaremos isso em todo o portfólio; para algumas marcas, simplesmente não será relevante, e isso está bem”, disse o CEO mundial, para concordância de um grande investidor britânico: “uma empresa que acredita que precisa definir o propósito da maionese Hellmann’s (…) claramente perdeu o rumo” (Valor Econômico, 12/11/2023).

Depois, um casal de empresários brasileiros foi bem sincero: “sem florear, nossa conclusão foi que nosso propósito de vida era ser rico. Queremos ganhar dinheiro, pois assim a gente pode realizar outros sonhos” . Considerando que comandam um site que vende pequenos acessórios importados da China, por que ocultar a atração humana por traquitanas baratas com um palavrório bonito?

Melhor assim. Como lembrou a colunista inglesa Pilita Clark (Valor, 21/09/2020), a declaração de propósito de hoje é a antiga definição de missão das empresas – que, segundo dois estudos (este e este), não costuma ter grande influência sobre a cultura organizacional e as práticas cotidianas, a ponto de “não valer o papel em que foram impressas”, nas palavras de um dos autores.

Sinal de que devemos esquecer todos os statements pintados nas paredes corporativas ou gravados em bronze nos escritórios espalhados pelo mundo? Não necessariamente.

Minha opinião é que empresas B, aquelas que já nascem no intuito de conciliar negócios com objetivos socioambientais, podem perfeitamente definir seu propósito para além do business as usual. Devem fazê-lo, aliás, para jamais ceder à tentação de visar unicamente ao lucro ou simplesmente esquecer a razão pela qual foram criadas. Companhias convencionais, no entanto, não precisam ir tão longe.

Por quê?

Bem, uma declaração de missão (ou de propósito) existe para explicar por que a organização existe – satisfazer uma necessidade, oferecer um benefício -, e esse motivo pode mudar ao longo do tempo (ou até muito cedo em sua trajetória). Os exemplos de empresas pivotantes não são poucos e estão aí para mostrar que Peter Drucker tinha razão: quem define o propósito é o cliente.

Mas e o caso da Dove, que pretende “criar um mundo onde a beleza seja uma fonte de confiança e não de ansiedade”? A meu ver, a frase reflete mais um conceito criativo do que um propósito.

No mais, é até melhor não se deixar levar pela sedução de cobrir de lantejoulas verbais aquilo que está imerso na banalidade, a fim de evitar uma piada involuntária. O tal investidor inglês que falou da Hellmann’s não perdoou a missão de outra marca do portfólio da Unilever, a do sabonete Lux (“inspirar as mulheres a superar os julgamentos sexistas”): “quando eu chequei pela última vez, (sabonete) era para lavar as mãos”. 

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