A persona pública de Olivetto construiu a ideia de publicidade no Brasil
Por ocasião da morte de Washington Olivetto, no último dia 13, AMANHÃ republicou um post de seis anos atrás em que eu o definia como o criador da profissão de publicitário no Brasil. Não por pioneirismo na atividade, evidentemente, mas por tê-la conferido visibilidade e legitimidade social. Muito dessa mudança de status devia-se ao seu trabalho – as peças e anúncios que ficavam no imaginário popular –, mas também a sua figura pública, sempre médiatique e pronta a rechear uma entrevista com tiradas espertas – o que contribuiu para que a propaganda fosse vista por alguns apenas como insight criativo, e não o todo trabalhoso que constitui: planejamento, produção, mídia etc.
A capacidade de Olivetto produzir boas frases permaneceu intacta nos últimos anos, mesmo afastado do dia a dia das agências e residindo fora do Brasil, em Londres. Aliás, por que a capital inglesa? “Porque Londres é a melhor Nova York que existe. Tem tudo o que Nova York tem, mas sem tanto movimento e confusão”. Mas e o futebol, seu interesse desde sempre, como ficou? Via jogos da Premiere League? “Sim, aqui eu assisto, não torço. No Brasil, em jogos do Corinthians, eu torço, não assisto”.
Lições aos novatos? “Eu me dei bem como publicitário pois me abasteci de vida, e não de publicidade. Capturo as coisas da vida para transformá-las em comunicação”. E gerir uma agência, como é? “Nesse negócio, administrar o astral é tão importante quanto administrar o caixa” – razão pela qual distribuía sorvete às equipes quando via uma nuvenzinha negra sobrevoando as baias da W/Brasil. Seu sucesso devia-se à inspiração mais do que a transpiração? De jeito nenhum. “Quando eu era funcionário, tinha mentalidade de dono. E hoje que sou dono, tenho mentalidade de funcionário. Sou o primeiro a chegar e o último a sair do escritório”. E as campanhas políticas e contas públicas, que tal? “É um dinheiro que me orgulho de não ganhar”.
Dinheiro: eis o outro pilar que ajudou a erigir o prestígio da profissão. Olivetto não foi propriamente um ostentador, um exibicionista. Mas também não se furtou em alimentar o lado frívolo da mídia ao revelar seu apreço por obras de arte, mostrar o CD player da então obscura dinamarquesa Bang & Olufsen que comprara, enaltecer a Comme des Garçons (que até hoje poucos conhecem por aqui) e citar os restaurantes que apreciava nas grandes capitais do mundo. Indicava, com isso, aos jovens às voltas com a escolha profissional, ser viável a combinação perfeita: uma carreira menos tradicional com benefícios materiais tão bons ou melhores que os das atividades caretas.
Com a emergência das redes sociais, poderia ter se tornado um tuiteiro popular, um lacrador semanal, pois tirocínio não lhe faltaria. Mas percebera que a internet atual era menos generosa com a inteligência e bem mais afeita à demagogia e à superficialidade. Sua malfadada entrevista à BBC News Brasil, em 2017, em que diz que “empoderamento feminino é um clichê constrangedor” como outros tantos que mencionava ao longo da conversa (“desconstruir”, “quebrar paradigmas” e “pensar fora da caixa”), foi um dos maus sinais dos novos tempos: o título caça-clique fez sumir o conteúdo no qual Olivetto reclamava da pobreza vocabular e da escassez de boas ideias que vicejava nos meios de comunicação, em prol de uma controvérsia vazia e de uma condenação pública sumária. Ainda assim, antes mesmo daquele episódio, já havia deixado uma lição sobre as polêmicas online: “É só ficar quieto que nada vai acontecer. Logo em seguida, aparece outro assunto irrelevante para ocupar o seu lugar”.
Pode não ter sido sua sacada mais brilhante, mas certamente é das mais verdadeiras.